Quando apareceu pela primeira vez, “Hitman”, lançado no PC em 2000, conquistou a simpatia do público por usar criativamente o conceito de ação furtiva – ou seja, em vez de se arriscar em confrontos francos, o intuito era passar despercebido pelos oponentes. Popularizada por “Metal Gear Solid”, essa mecânica era usada basicamente em games de agentes secretos.
Mas “Hitman” inovou por usá-la para o lado “sombrio”, trazendo um assassino profissional cuja marca registrada é a cabeça raspada e um código de barras na parte de trás do crânio. Tal e qual uma versão moderna de Arsène Lupin, fictício personagem criado pelo escritor francês Maurice Leblanc, o denominado agente 47 é um mestre do disfarce. Mas, em vez de roubar obras de arte, seu trabalho é basicamente eliminar vidas, de preferência, sem danos colaterais.
O primeiro da série pode ter sido rústico, mas trouxe o impacto da novidade, já o segundo aparou as arestas e veio mais bem acabado. Porém, o terceiro, denominado “Contracts”, deu sinais que a evolução havia desacelerado. Ledo engano. A produtora dinamarquesa IO Interactive, colocou a série nos trilhos e brinda os jogadores com o melhor “Hitman” até hoje.
Na cena do crime
Em sua essência, “Hitman: Blood Money” é similar aos anteriores. Controlando o agente 47, através da visão em terceira ou primeira pessoa, ele deve cumprir diversas missões – a maioria consiste em matar determinadas pessoas -, mas naturalmente, não é tão simples como se poderia supor.
A evolução mais visível está nos gráficos. Longe daquele visual meio genérico e simples de “Hitman: Contracts”, desta vez os ambientes são ricos em detalhes. Isso pode ser visto logo na fase de treinamento, num parque diversões abandonado. Desde o píer, não há lugar no cenário que esteja asséptico, com “cara de hospital”.
E combinado com um trabalho fantástico de iluminação, o espaço ganha presença, mesmo que esteja completamente abandonado, como é o caso do esconderijo do assassino. Sendo assim, os cenários do game são um dos mais verossímeis de que se tem notícia, tanto pela beleza plástica ou pelo projeto de fases.
Tome-se como exemplo a casa de ópera em Paris, onde acontece a terceira missão. Simplesmente, todo o teatro foi reconstituído, com área de entrada, um vislumbrante palco iluminado por candelabros e holofotes, camarotes, platéia, coxia, camarins, banheiros, sala de segurança, vestiários, enfim, a lista é grande. A mesma qualidade pode ser vista na fase de Las Vegas ou na festa de Natal nada convencional de um, por assim dizer, empresário do entretenimento adulto.
E para completar com grande estilo, a produtora não economizou nos figurantes. Quando necessário, há uma enorme quantidade de pessoas transitando por todos os lados. Essencialmente, eles cumprem um roteiro pré-estabelecido: guardas patrulham, operários trabalham, cada um tem o que fazer. Mas eles estão de olho em qualquer atitude suspeita e o agente 47 precisa se manter invisível mesmo no meio dessa multidão.
Missão difícil
Quanto à mecânica de jogo, a produtora já saiu com um ponto positivo ao dificultar, para não dizer impossibilitar, a tática de sair fuzilando todo mundo que aparecer pela frente. Essa estratégia era uma opção muito eficiente em “Hitman: Contracts”, se o intuito era apenas chegar ao final do jogo, sem se preocupar com ranks ou extras.
Em “Blood Money”, as chances são de você virar peneira em instantes. Afinal, se é para sair metralhando todo mundo, que chamassem logo Ethan Hunt, esse sim adepto de uma “missão impossível”, ao menos na versão cinematográfica. No novo “Hitman”, o jogador terá mesmo que fazer uso dos disfarces, afinal esse é o diferencial da série e o que a tornou famosa.
Antes de tudo, é preciso dizer que o game não é voltado aos jogadores de pouca experiência. Mas para quem já tem certa vivência nos videogames, “Blood Money” tem o desafio do tamanho que o jogador se propuser a enfrentar. E é absolutamente justo: os resultados refletem diretamente o desempenho técnico e principalmente intelectual do jogador.
Das missões, o jogador recebe apenas os objetivos primordiais. Todo o trâmite para conseguir cumpri-los com sucesso fica para a imaginação, perspicácia e poder de análise de quem está no controle. Para aqueles que desejam evitar os menores revezes, até a escolha de armas na tela de “briefing” deve ser levada em consideração. Isso vale principalmente para armas como o rifle de precisão, que é difícil transportar sem ser notado, e vez ou outra é preciso descartá-lo. E deixar objetos para trás na cena do crime, desta vez, implica em multa por parte da agência, ou seja, menos “money” no seu bolso.
Aliás, o próprio conceito de dinheiro é novo na série. Agora, você pode comprar melhoramentos para suas armas, equipamentos e habilidades. Os recursos financeiros também servem para comprar informações – praticamente as únicas dicas disponíveis para cumprir os objetivos – e para subornar pessoas depois de terminadas as fases, que faz o nível de notoriedade do agente diminuir. Obviamente, notoriedade é tudo que um assassino não quer, principalmente o agente 47, que age nas sombras.
Um crime perfeito
Novamente, as missões são abertas, ou seja, há diversas maneiras de chegar ao objetivo. Porém, em “Blood Money” as opções são mais amplas. Por outro lado, há também mais quesitos pelos quais você será avaliado. Mais uma vez, o rank máximo só pode ser alcançado com precisão cirúrgica: qualquer morte desnecessária ou testemunha é suficiente para deixar escapar o cobiçado título de “silent assassin”.
Geralmente, a primeira parte da missão é analisar o ambiente: verificar o mapa, descobrir onde estão os alvos, chegar os pontos de interesse – estão marcados com um ponto de exclamação no mapa -, que tipo de pessoas transitam pelos diversos ambientes e o padrão de comportamento delas (cada uma faz ações cíclicas, desde que não haja um fato novo que a faça sair da “rotina”).
Concomitante a esse processo, você precisará providenciar os disfarces, já que muitas das áreas você só pode circular sem ser notado com um determinado “uniforme”. De vez em quando, aparecem alguns trajes “dando sopa”, mas na maioria das vezes você precisará roubar de outras pessoas.
Mas, se estiver atrás do rank máximo, a única opção não-letal que permite nocautear os alvos é o sedativo, que é contado – geralmente, uma ou duas doses por missão. Outra preocupação é esconder os corpos. Em “Blood Money”, uma das poucas opções seguras é acomodá-los em caixotes ou contêineres de lixo. E naturalmente, esses locais são poucos e fazem parte da resolução do grande quebra-cabeça.
O homem sem rosto
A qualidade do disfarce também depende do que estiver segurando. Se estiver com trajes de guarda, poderá circular com uma arma à mostra, mas não poderá fazer o mesmo se estiver vestido de cozinheiro. Felizmente, uma faca de cozinha é uma arma extremamente letal nas mãos do agente sem escrúpulos. E há também a possibilidade de carregar armas dentro de caixas de ferramentas ou bandejas, e evitar até mesmo os detectores de metais.
Métodos para matar não faltam. Há desde enforcamentos, armas brancas e armamentos pesados, passando por bombas e rifles de precisão. Mas para matar sem deixar rastros você precisará de um planejamento meticuloso, digno dos melhores filmes do diretor Alfred Hitchcock, o mestre do suspense.
A solução pode ser um caminho alternativo, como se infiltrar pela janela, ou ficar escondido até chegar o momento certo, ou, de maneira ainda mais elegante, usar ações indiretas ou terceiros para cumprir a missão. Nessa categoria se encaixa, por exemplo, envenenar alimentos ou fazer com que uma arma de brinquedo fique letal, como é visto na fase da ópera.
Enfim, toda sua imaginação e poder de exploração serão requeridos, e assassinatos mais rebuscados e sem vítimas extras são bem recompensados. Mas, como há várias soluções, é também uma opção usar métodos mais simplórios, com resultados, notadamente, menos abonadores. Enfim, cumprir os objetivos pode não ser tão difícil, mas conseguir a classificação máxima é somente para poucos.
Aperte o botão para matar
O foco do game não está nos combates francos, mas 47 ganhou algumas técnicas que darão um pouco mais de vantagem nessas horas. O primeiro é o escudo humano, auto-explicativo. Depois, o assassino pode desarmar um oponente e ainda lhe roubar o equipamento. Mesmo assim, a quantidade de inimigos costuma ser muito grande, minimizando as chances do jogador.
Ademais, esse estilo barulhento faz aumentar a notoriedade, que dificulta ainda mais as missões seguintes ou, no mínimo, pesa bastante no bolso, como forma de propina para figurões da polícia. Um detalhe interessante são os jornais que aparecem depois dos casos. Eles têm aparentemente função apenas ilustrativa, mas chegam ao cúmulo de ter textos completos, como se fossem uma matéria policial real.
Apesar da melhora em diversos setores, os controles ainda carecem de um pouco mais de fluência. Comandar o agente continua sendo estranho, sem nuances, lembrando um robô. Mas, sendo um jogo mais cerebral, essa deficiência não chega a ser grande empecilho. Cada um dos tipos de visão tem suas vantagens, mas a de primeira pessoa acaba confundindo muito, pois há muitas ações que acontecem obrigatoriamente em terceira pessoa.
Além de artisticamente soberbo, os gráficos ostentam qualidade técnicas elogiáveis. Mesmo com tantas pessoas na tela, o fluxo não fica tão prejudicado, mantendo-se em níveis praticáveis, mesmo no PlayStation 2. Enfim, o game é virtualmente idêntico na atual geração de videogames.
O visual mais bonito é alcançado na versão para Xbox 360, seguido de perto pelos PCs mais potentes. Em ambas as plataformas, as texturas de maior resolução e efeitos gráficos avançados tornam o cenário ainda mais vistoso, além de uma taxa de quadros mais suave.
A trilha sonora é novamente assinada por Jesper Kyd, que compôs as músicas dos outros “Hitman” e do mais recente “Splinter Cell”, o “Chaos Theory”. O estilo é minimalista, mas as músicas incidentais criam a tensão necessária para os momentos mais dramáticos. Porém, devido às características do game, o silêncio funciona melhor na maior parte do jogo. As dublagens também são competentes e quase todos os textos são falados.
47 motivos para jogar
“Hitman: Blood Money” é a melhor edição de uma série que ainda hoje foi pouco limitada. Além de visualmente fantásticas, as fases foram projetadas com maestria e, tal e qual um grande quebra-cabeças, proporcionam enorme desafio intelectual para jogadores de diferentes níveis. Poucos são os jogos que conseguem trazer tanta satisfação ao terminar cada uma das missões.
Mas sua funcionalidade continua normal,bastando clicar 2x no mesmo!
Dicas para os portables!